Sunday, April 03, 2005

escuridão ao meio-dia - geraldo mayrink

o título se refere ao livro darkness at noon, de arthur koestler e o agradecimento no frontispício é ao próprio, "pela atitude" de ter se matado junto com a mulher misturando conhaque e barbitúricos. interessante que um livro cujos subtítulos dizem "para que servem os homens - textos sobre a condição masculina" comece com um agradecimento na forma de apologia ao suicídio.

geraldo mayrink quis, com esse livro, fazer uma genealogia bem pouco acadêmica do bicho-homem, do varão, do macho, etc. começa mal, com um capítulo metido a engraçadinho sobre a aurora do homem e sobre o mito de adão e eva. ganha fôlego quando começa a falar do homem acuado pelo feminismo e das ridículas tentativas (nos eua, onde mais?) de reafirmação masculina, como o livro-manifesto de robert bly, joão de ferro - um livro sobre homens:

"bly convocou os americanos a se reunirem e despertarem o homem selvagem que neles ainda habita, ainda que soterrado. para quê, não se sabe, mas esta pergunta não é feita a cada um que possa pagar 500 dólares pela temporada viril. por esse preço, homens que querem honrar seus nomes e suas calças podem passar um fim de semana cantando, dançando, tocando tambor e pintando o corpo como guerreiros, tratando-se de 'zebra' ou 'búfalo d'água'. as mulheres que não riam destas coisas, senão apanham. pois 'eles se divertem muito, se soltam, sentem-se muito felizes', comentou bly, como se estivesse falando de um bloco de escola de samba ou de uma nova invenção no mundo, em termos de festa."

a coisa fica ainda mais engraçada (ou bizarra, depende do ponto de vista) quando mayrink começa a falar de complexos tão queridos aos homens, como o tamanho do cheio de varizes, impotência e ejaculação precoce. ele inclusive cita exemplos da literatura e do cinema sobre os assuntos:

"o filme sexo, mentiras e videoteipe amplia drasticamente a definição do que seja impotência, quando um homem diz para uma mulher que o corteja: 'não é que eu não possa ter ereção. não consigo tê-la na presença de outra pessoa.' uma confissão como esta abre um mundo sem fim de indagações filosóficas e existenciais. 'outra pessoa', ele diz. o inferno são os outros, postulou um filósofo da existência, do ser e do nada."

outro capítulo interessante é "o único homem sobre a terra", quase totalmente dedicado a daniel paul schreber (1842-1911), picareta que desafiou a mente de freud que tentou mas não conseguiu entender o único livro de sua autoria: memórias de um doente dos nervos. o busílis é que schreber:

"acreditou ser macho e fêmea ao mesmo tempo, e isso sem nenhuma blasfêmia ou noção de pecado, mas 'em nome de deus todo-poderoso'. ele ouvia 'música celestial' em qualquer lugar. enxergava 'dois sóis faiscantes' à luz do dia e, à noite, deparava-se com ursos negros e gatos 'de olhos brilhantes'. dizia que 'o bom deus é uma prostituta' e que 'sou o primeiro cadáver leproso'."

e esses são apenas alguns exemplos dentre outras alegrias que o tornaram o mais célebre caso psiquiátrico de todos os tempos, e seus escritos, paradoxalmente, revelam uma impressionante lucidez sobre seu estado patológico. como o sr. schreber nunca foi tratado, na realidade o paciente não é ele, mas seu livro.

para finalizar, mayrink se debruça sobre dois fetiches clássicos que permeiam a psique masculina: sadomasoquismo e podofilia. para tanto, mais uma vez extrai exemplos das artes falando sobre a podofilia de nabokov (vejam bem, podofilia, e não pedofilia), mas deixa de lado, tristemente, o vênus das peles, de leopold von sacher-masoch, o pai dessa brincadeira toda de s&m.

em suma, um bom livro, fácil e agradável de ler que inverte a famosa pergunta de freud ao inquirir "mas, afinal, o que querem os homens."

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