Tuesday, May 31, 2005

melinda e melinda



sempre que sai um novo woody allen a suposta crítica especializada levanta as mesmas questões: allen só sabe se repitir, allen perdeu a mão, etc, etc. muito bem, então me apontem um diretor americano da atualidade que consiga fazer filmes que - mesmo quando são comédias leves como "a maldição do escorpião jade" ou "dirigindo no escuro" - possuam tanto refinamento, trilhas ao mesmo tempo repletas de compositores clássicos e deliciosas (neste "melinda e melinda" béla bartók é utilizado perfeitamente em mais de uma seqüência), diálogos e situações inteligentes, hilários e repletos de referênica à filosofia, música e literatura, e química perfeita entre jovens atores. pois bem, "melinda e melinda" tem tudo isso e mais.

o começo, com a conversa de bar dos quatro amigos discutindo se a vida é basicamente trágica ou cômica e considerando a história de melinda sob ambas as perspectivas (as duas narrativas principais do filme nascem dessa discussão, com atores diferentes, exceto por melinda, que é sempre interpretada - muito bem por sinal - por radha mitchell) me pareceu, a princípio, falso e um pouco forçado. porém, na medida em que a história avança e os comentários dos amigos ficam mais incidentais, a coisa funciona. daí, somos apresentados à melinda e seus coadjuvantes e tudo funciona como um relógio suíço.

na versão cômica da história destacam-se will ferrel (cria do saturday night live, onde fazia, entre outras coisas, uma hilária paródia de bush), com o personagem que geralmente cabe ao woody allen e amanda peet, no papel de esposa de ferrel e encabeçando o habitual elenco de mulheres lindas que o diretor, abençoadamente, sempre conseguiu arregimentar. ferrel está muito bem e contido nas caretas que são sua marca registrada: o humor ferino e rápido de allen lhe cai bem e seu timing tanto com amanda peet quanto com radha mitchell beira a perfeição. destaque para a seqüência em que peet insiste em apresentar o dentista de ferrel - um ricaço bonitão que faz safáris e tem um porshe conversível - para melinda. humor quase pastelão que faz lembrar os melhores momentos de allen neste gênero, como "sonhos de um sedutor" e "memórias".

a parte dramática é consistente como os dramas bergmanianos de allen e é aí que randha mitchell diz a que veio com sua melinda esquizofrênica e insegura. seu desempenho está quase sempre no tom certo e são poucos os momentos de overacting, embora eles não deixem de existir. é aqui que a música é melhor utilizada, como com o bartók que mencionei acima, além de stravinski e, se me lembro bem, mahler. chloë sevigny está ótima (e belíssima) como laurel, melhor amiga de melinda. mesmo sendo a parte dramática, alguns diálogos ainda acrescentam um humor amargo e irônico.

allen continua pincelando suas críticas a hollywood e aos eua discretamente, em diálogos ácidos que podem passar despercebidos. como quando, na versão trágica, o personagem de chiwetel ejiofor, ellis, que é compositor de óperas, diz que seu trabalho é mais apreciado na europa do que nos eua, precisamente o que acontece com os filmes de woody allen que só se pagam porque estréiam antes, e com mais pompa, na europa. will ferrel fica a cargo da crítica aos conservadores, quando, flertando com uma mulher numa festa, pergunta se ela, conservadora, não se importa de ir para cama com ele, um liberal. ela diz que na cama ela é uma radical e ele agradece dizendo qua nunca mais vai votar contra a oração obrigatória nas escolas, ou alguma palhaçada conservadora do gênero.

no fim, de lambuja, um breve monólogo sobre a mortalidade - assunto sobre o qual o diretor, entrando na casa dos 70, parece cada vez mais obcecado -, arrematado por um corte final brilhante.

enfim, um woody allen quase perfeito, repleto de tudo que o torna um dos mais brilhantes diretores americanos de todos os tempos. alguns podem achar que o homem se repete, que seu humor está gasto, ou o que seja. da minha parte, acho que a vida vai ficar bem mais sem graça quando não tivermos mais a garantia de ter um woody allen por ano, trazendo inteligênica, ironia e sarcasmo - qualidades tão em falta hoje em dia - para as telas de cinema.

brinde: esta foto de woody allen com parte do elenco, que era grande demais para ser colocada diretamente no blog.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Fabiano, eu , por exemplo, não curto muito Allen, mas tenho em Hannah e Suas Irmãs, bem como em Manhantan - duas obras-primas. Melinda e Melinda ainda não chegou por aqui, infelizmente!

8:26 AM  
Blogger Ricardo Almeida said...

Fabiano, concordo com todos os seus comentários sobre o genial cineasta Woody Allen. Quanto ao Melinda e Melinda, espero assisti-lo este domingo.
Forte abraço.

5:20 AM  

Post a Comment

<< Home

Free Web Site Counter
Free Hit Counter