Monday, May 09, 2005

o grande gatsby, f. scott fitzgerald

encontro-me pela terceira vez na vida com jay gatsby e, se nos primeiros dois encontros eu era muito novo ou pouco lido, ou as duas coisas, para entender todas as nuances e riquezas do romance, hoje sinto uma maior proximidade e cumplicidade em relação a ele. bem, o tempo e suas releituras, não é mesmo?

a história do misterioso jay gatsby e sua paixão por daisy buchanan poderia ser banal (como a adaptação para cinema, com robert redford no papel de gatsby o é) não fosse o inacreditável talento de fitzgerald em transformá-la numa metáfora da sensação de perda da inocência que o pós-guerra (o romance é de 1925) parecia trazer e da iminência de desastres ainda maiores (em 1929 a bolsa quebraria e os eua entrariam no sombrio período da depressão).

nick carraway, o narrador, desfia a história de seu vizinho gatsby, um aparente playboy que dá festas extravagantes nos loucos anos de 1920 em sua mansão no west egg de long island (a região é separada por uma baía que forma dois "ovos" de terra diametralmente opostos, o west egg [ovo do oeste] e o east egg [ovo do leste]). vindo sabe-se lá de onde, gatsby é alvo dos mais curiosos rumores: alguns dizem que ele é um contrabandista de bebidas (era a época da lei-seca), outros que certa vez ele matou um homem, etc.

nick é primo de daisy - que mora no east egg com o marido tom buchanan - e a amizade que se constrói entre nick e gatsby é pontuada por um segredo: gaysby e daisy foram amantes no passado. gatsby partiu para a guerra com a promessa de que iria retornar, enquanto, neste ínterim, daisy, jovem e incapaz de esperar, casou-se com tom. gatsby, no entanto, jamais a esqueceu, e sua busca o levou até long island onde, cinco anos depois, ele ainda se agarra ao sonho de que tudo pode voltar a ser como no passado. sonho este representado pela bela imagem da luz verde que pisca do outro lado da baía, em frente à casa de daisy, e que gatsby observa noite após noite de sua mansão. a luz que faz parecer que daisy está tão perto e ao mesmo tempo tão distante e para a qual gatsby estica os braços trêmulos em seu jardim:

"[gatsby] estendeu os braços, de maneira curiosa, em direção à água escura e, apesar de me encontrar bastante distante dele, poderia jurar que ele tremia. involuntariamente, olhei em direção ao mar - e não distingui coisa alguma, exceto uma única luz verde, minúscula e distante que bem poderia ser a extremidade de um ancoradouro. quando tornei a olhar para gatsby, ele havia desaparecido, e eu estava de novo sozinho na inquieta escuridão."

nick, cuja narração deixa transperecer uma inevitável simpatia por gatsby - um novo rico cuja fortuna emana de negócios obscuros e, imagina-se, ilegais -, serve de ponte para o reencontro dos dois. mas o passado - para o qual "somos impelidos incessantemente", nas palavras do narrador - não pode ser repetido, não importando os anseios românticos de gatsby que, no fim das contas, não é nada além disso, um herói romântico fora de seu tempo, perdido em um mundo que não possui mais lugar para ele, um mundo regido pelo cinismo e, principalmente, pelo poder do dinheiro. gatsby tem dinheiro agora, sem dúvida, mas seu dinheiro é novo e não pode comprar a tradição na qual daisy está (e sempre esteve) inserida. daisy representa o dinheiro velho, a aristocracia, e está tão ligada quanto tom buchanan ao berço de ouro no qual nasceu. gatsby construiu sua fortuna com único intuito de impressionar daisy e conquistá-la de volta, mas sua tática não pode comprar o tempo ou a inocência perdida. daisy poderia ter sido sua antes, quando jovem e menos entranhada na sociedade petrificada pela riqueza que tom representa, mas não mais agora.

o presente de gatsby não passa de um obsessivo apego ao passado, um passado idealizado e romantizado. gatsby não ama daisy, mas sim a imagem de uma daisy de cinco anos atrás, uma daisy que não mais existe. gatsby, de certa forma, é um homem que não soube se adequar ao tempo e suas exigências e, assim sendo, é um desajustado, um homem de ontem no mundo de hoje.

fitzgerald construiu um romance que é uma espécie de assustador prenúncio da pós-modernidade. ele e seus contemporâneos escreviam sobre um mundo estranho e árido (vide t. s. eliot e seu "a terra devastada") - sem mais ternura ou a inocência do século xix - onde a modernidade esmagava o homem ao mesmo tempo que o fazia progredir (vale notar a importante presença dos automóveis em o grande gatsby e as descrições desoladoras de algumas paisagens, especialmente a via férrea entre nova york e o west egg). um mundo que o homem observava, atônito, seguir adiante à sua revelia. e pensar que eles só haviam vivenciado a primeira das grandes guerras e ainda não sabiam do terror e devastação que ainda estava por vir.

4 Comments:

Blogger ideiasaderiva said...

Essa expressão "a perda da inocência" é impressionante. Assusta-me a capacidade que temos para ser inocentes. Ou será que estes tempos atuais são finalmente a maturidade e a sequidão? O ponto de convergência: apesar das particularidades, o grande deus já foi descoberto: o dinheiro.

Eis a resposta da primeira pergunta e a justificativa do crescimento alucinado de qualquer forma de fé.

Em tempo: Fizgerald foi amigo de Steinbeck e, me parece, falaram da mesma geração.

11:02 AM  
Anonymous Anonymous said...

poxa, o Visconti poderia ter filmado este livro, é a cara dele!

12:05 PM  
Blogger fabiano m. said...

é mesmo renato, nunca tinha pensado nisso... ...a história de gatsby não deve nada aos filmes sobre aristocracia amoral e decadente do visconti.

e max, não sabia que o fitzgerald fora amigo do steinbeck... ...pensando bem, tem tudo a ver.

2:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

ótimos comentários! Não deixe o pessoal que adora "pesquisar" na internet pra fazer trabalhos ver isso. ehehe, sorry, eu tinha que escrever isso, não espalhe ou eu fico queimada... estou perdendo a trava da língua
Até
ah, deixei um comentário anônimo no post de baixo - esqueci de colocar meu nome!

5:50 PM  

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