Monday, October 31, 2005

de tecnocracias e bibliofilias



decididamente, não sou um homem normal. não gosto de carros, não quero ter um iate e nem uma cobertura na barra. tampouco quero andar com uma loura de propaganda de cerveja a tiracolo para causar inveja aos meus pares. não quero fazer mba e nem ser vice-presidente da mercedes-benz. não quero ganhar mais dinheiro do que preciso, e não preciso de muito dinheiro. tivesse a espiritualidade e a coragem necessárias, e não as tenho nem de perto, quereria a vida espartana dos santos. não tenho as ambições eleitas pelo deus-mercado e tão prontamente aceitas pelos idiotas da objetividade. ou minhas ambições são outras.

só posso achar que henry david thoreau foi mal interpretado quando disse que "os homens foram feitos para o sucesso, e não para o fracasso". dificilmente thoreau teria se referido ao "homem de ação", aquele que ama seu carro acima de todas as coisas, lê "valor", "isto é: dinheiro" e adjacências e poderia cantarolar, se cantarolar soubesse, e se tivesse a necessária autoconsciência, "no escritório em que trabalho e fico rico / quanto mais eu multiplico / diminui o meu amor." é claro que o filósofo também disse, "em vez de amor, dinheiro ou fama, dê-me a verdade." mas me parece que esta frase, se comparada à outra, é démodé.

sou um homem estranho porque meu trabalho não envolve multiplicar e dividir, não movimento capital especulativo com um telefonema, não faço economias entrarem em crise com uma frase de efeito. meu trabalho é lutar com as palavras e delas arrancar sentidos; é re-escrever o que foi dito; é, também, passar conhecimento adiante. ainda que ele careça de público, ainda que às vezes pareça palavras ao vento, pois este conhecimento não visa tornar sua vida doméstica mais fácil ou lhe entreter. porém, como disse recentemente ferreira gullar, "a maioria sempre pensou em se divertir; para refletir são poucos."

uma população constantemente entretida é uma população intelectualmente morta. a primeira definição de "entreter" no dicionário houaiss é "prender, desviar a atenção de; distrair". é isso: somos uma massa distraída, em busca de prazeres instantâneos que minimizem a dor, mas sem coragem, tino ou determinação para compreender esta mesma dor. e sabemos que não haverá nunca escassez de entretenimento para nos apaziguar.

constato que o que parece liberdade é cárcere, o que parece alegria é histeria. e a luta vã me espera pacientemente em qualquer esquina.

Sunday, October 23, 2005

arcade fire e wilco



já tive a oportunidade de ver algumas das minhas bandas e artistas favoritos ao vivo, mas foram poucas as vezes que assisti a um show que me deixasse de fato feliz. sim, feliz, alegre por estar vivo. o show do arcade fire ontem, dia 22 de outubro, no tim festival, conseguiu esta proeza.

fim de tarde, aguardo o amigo paulista andré z. p. e seus camaradas gente-boa osvaldo e luís no amarelinho, cinelândia. os três vieram de são paulo exclusivamente para verem o wilco, o arcade fire sendo, para eles, aperitivo. no meu caso era o contrário: o arcade era prato principal e o wilco, sobremesa. eles chegam e vamos para o douradinho tomar cerveja barata em vez de chope caro e morno no amarelo. algumas cervejas depois, como se aproximasse a hora do show, vamos para as imediações do mam para saideiras e para eu comer um cachorro-quente. alimentados e bebidos, rumamos para o museu às 22h:20; o show estava marcado para as 23h.

lá chegando, achamos a tenda lab e aguardamos (muito) o show da banda de abertura lado 2 estéreo. a dupla entrou no palco meia-noite, pedindo desculpas pelo atraso e justificando que eles não podiam entrar antes do fim do show da tenda jazz, pois o som vazava demais. simpático da parte deles. o show foi bacana, melhor do que eu esperava, e, como disse o andré, "nunca tinha visto ninguém percursionar o moog antes". só que ninguém tem paciência pra banda de abertura e estavam todos ávidos pelo arcade.

acabado o show do lado 2 estéreo, rumamos para o meio da platéia e esperamos a demorada montagem de palco. os roadies não paravam de trazer instrumentos: bumbo, acordeão, inúmeros violões e guitarras, cello, teclados, xilofone. também, pudera, a banda canadense possui sete integrantes e é famosa por sua, digamos, artilharia instrumental.

o arcade entra e ataca de vez com a epopéica "wake up", com seu coro de sete vozes reforçado pelo coro da platéia. o povo cantou verso a verso a letra, enlouquecendo com a habitual explosão de energia do septeto. um win butler impressionado com a receptividade da platéia emendou com seus cupinchas outros "sucessos" do disco "funeral" e do ep de estréia "us kids know" que fizeram a alegria dos indies presentes e deste que vos escreve: como "no cars go", "neighborhood #1: tunnels" e "neighborhood #2: laika", isso sem falar da versão esquisitona de "aquarela do brasil" em inglês (!), retirada, segundo butler, de "brazil: o filme", de terry gilliam. os integrantes do arcade fazem de tudo: pulam, correm, se esgoelam, revesam instrumentos e vocais, como na belíssima versão de "haiti", cantada meio em francês e meio em inglês por régine chassagne (esposa de win butler). merece destaque também o final apoteótico a cargo de "neighborhood 3#: power out" com direito ao xilofonista william butler (irmão do vocalista) não se restringindo a espancar o xilofone como também escalando a armação de ferro do palco para tocar nela (segundo o site de fãs do arcade, linkado no site oficial, will butler é responsável por tocar percussão, guitarra, baixo, pelos backing vocals e pelo "caos generalizado"). um show memorável, emocionante e que deixou toda a platéia em estado de graça.

em seguida, o wilco entrou no palco para dar continuidade à noite. não conheço bem a banda, ouvi somente o mais recente álbum, "a ghost is born", do qual tive uma boa impressão. o show a reforçou e, pelo jeito, foi um sonho realizado para os fãs: dois bis longos com direito ao vocalista jeff tweedy dizendo "a gente não vem muito aqui, então vai simplesmente continuar tocando" e a platéia se empolgando durante o que, suponho, sejam os hits do grupo.

enfim, dois shows excelentes por R$35, em boa companhia, numa noite de sábado. como diria fsx, "a vida não fica melhor do que isso".

Monday, October 17, 2005

you know i'm true

sim, eu poderia escrever sobre os cds do belchior que chegaram hoje aqui em casa. sobre a música "aguapé", em parceria com raimundo fagner, e que, em um disco medíocre, se comparado com os discos de começo de carreira do bigode, se destaca como um momento de puro lirismo e, por que não, genialidade.

poderia falar sobre "a montanha dos sete abutres" que passou domingo de madrugada na globo, me fazendo lembrar de outros filmes do billy wilder que vi pela primeira vez nas madrugadas de três rios, muito jovem, descobrindo pérolas como "se meu apartamento falasse" e "irma la dulce" (ah, shirley maclaine, antes de virar uma chata...).

poderia até falar sobre minha tentativa de sanar ignorâncias literárias, comprando desesperadamente "madame bovary" e "o vermelho e o negro"...

poderia falar sobre a cachaça que o máximo trouxe para mim do sul, "bento albino", deliciosa... ...ou sobre novos amigos geniais, como ivan "takeshi kitano" (nossa maior esperança em se tratando de um "escritor profissional") e marlon magno.

porém... porém...

...já é tarde da noite e não há nem mesmo cachorros latindo na rua. há um silêncio ancestral, somente quebrado pelo barulho perene do cooler do computador. há uma escuridão estranha de uma noite sem lua. há uma ciência terrível do meu próprio corpo. há o tempo das finas camadas de poeira que cobrem todas as superfícies deste quarto. e há memórias que gritam como harpias, como banshees. e há, acima de tudo, o medo certeiro de todos os amanhãs que ainda me aguardam.

Thursday, October 13, 2005

conversando literaturas, 11/10



driblando todas as intempéries possíveis e imagináveis, desde de chuva e greve, até garçons mau-humorados, o "conversando literaturas" conseguiu chegar ao fim do seu primeiro ciclo, sobre jack kerouac e seus companheiros geracionais. o último encontro se deu no recanto são domingos, após nosso grupo ter sido gentilmente convidado a se retirar do vestibular do chope.

os heróis que participaram desta última viagem ao mundo dos beats foram: o indefectível marlon magno, cuja profissão é escrever diariamente no blog continuo sendo ignorado sistematicamente; rômulo, o rei da mulherada; a contista camila lopes; o dublê de sociopata márcio; a nossa queridíssima adriana; o pequeno gênio do ciclo básico ivan "takeshi kitano"; jean daniel, que surpreendeu a todos com sua presença no último encontro!; isa laxe, defensora das artes plásticas contemporâneas; e otávio meloni, desenhista especializado em palhaços pós-modernos. além, é claro, deste que vos escreve e do helênico max, que, no dia 25/10, dará a partida no ciclo borges. agradeço imensamente a todos pela presença e pelo entusiasmo.

aviso aos participantes que as xerox do texto "a morte do autor", do barthes, gentilmente cedido pelo otávio e que serve como "leitura opcional" do encontro do dia 25, já estão comigo, quem quiser é só entrar em contato que a gente dá um jeito de entregar.

e, mais uma vez, para a crônica definitiva do encontro, visitem, é claro, o blog do marlon.

Tuesday, October 04, 2005

jabor



já disse aqui antes que não morro de amores pelo jabor, mas o texto dele sempre causa reflexão, nem que essa reflexão venha da raiva, como quando ele entra numas de falar que a era fhc foi o único momento de lucidez pós-ditadura. nessas horas dá vontade de mandá-lo se roçar nas ostras e não lê-lo nunca mais. mas então ele escreve uma crônica como a de hoje, "seremos mais felizes como coisas". nela, ele se debruça sobre o já velho de guerra conceito de reificação tão querido à escola de frankfurt e adjacências. ele inclusive fala sobre baudrillard no começo, já avisando que não vai falar nada de novo, quiçá parodiar pensamentos do próprio filósofo.

é aí que temos parágrafos como:

"um mundo opaco gerará uma fome pavorosa de transcendência. haverá um ressurgimento das religiões e da fé, provocando grandes woodstocks de absoluto, já visíveis hoje nos showmícios evangélicos e nos rituais fundamentalistas. o iluminismo será definitivamente enterrado. deus, que tinha morrido, já está renascendo, como um produto útil para o conforto e o bem-estar. as igrejas serão como supermercados de esperança."

os que conversam comigo sabem o quanto me incomoda essa coisa da religião como fuga, ópio. não se busca a espiritualidade para um maior entendimento do mundo e de si mesmo, mas para fugir da angústia de se saber mortal e efêmero ou das tristezas de uma vida vazia, inócua. deus vira uma droga poderosíssima que corrobora passividade, conformismo e gera alienação. sinceramente, ir num dos showmícios citados pelo jabor e ficar em transe enquanto um sujeito vestido de padre, pastor, o que seja, fala platitudes e não questionar nada nunca não me parece muito diferente de tomar um pico de heroína e adentrar os paraísos artificiais. os "supermercados de esperança" garantem a sua paz de espírito como um prozac santo que elimina seus temores e lhe conforta como uma grande e compreensiva mãe, mas também elimina sua indignação e livre-arbítrio, te dando verdades prontas que você jamais precisará ter o trabalho de questionar.

"a arte acabará, destruída pelos efeitos especiais. dela só ficarão as emoções, reproduzidas em computação: o belo, o sublime, o épico, o lírico, o trágico - bastará a programação de algum êxtase estético, até de um estilo literário, mas sem obra por trás. as massas só terão circo; pão, talvez."

não gosto deste fatalismo jaboriano, deste quase tesão em proclamar a derrota e o fim. a arte não acabará enquanto houver humanidade, não importando o quão vasto seja o processo de idiotização mundial e os avanços do pensamento único. proclamar o fim definitivo de algo é quase sempre uma furada, vide fukuyama, que fez a alegria de alguns idiotas ao proclamar o fim da história. queria ver o que ele tem a dizer do mundo pós 11 de setembro. é só dar uma olhada ao seu redor, em meio à mediocridade e ao deserto ainda é possível divisar oásis.

"haverá o fim da piedade, o fim da compaixão. as populações miseráveis ou desnecessárias ao mercado serão exterminadas, sob os protestos ridículos e inaudíveis de meia dúzia de humanistas fora de moda."

chegamos a um ponto importantíssimo: o genocídio dos pobres. sim, genocídio é a palavra. fernando solanas, em seu fabuloso documentário "memória do saqueio", devassa os três governos traidores argentinos pós ditadura militar: alfonsín, menem e de la rua. nos três o compromisso era o mesmo: adoração ao capital especulativo e às multinacionais, transformação da dívida externa privada em pública, privatização inconseqüente. os resultados: a maior onda de desemprego já vista na américa latina, aumento da desnutrição infantil de 18% para 80%, vilipendiação irrestrita do estado em nome do interesse de uma elite de menos de 5% de felizardos. para se manter no poder, enriquecer e engordar como porcos, essa elite condena à morte milhares de pobres que vivem em lixões e em áreas que já foram parques industriais e se tornaram favelas sem esgoto, escolas e hospitais. esta elite odeia os pobres e quer vê-los mortos. fausto wolff reproduziu hoje no jornal do brasil a frase do republicano william bennett, a propóstito da criminalidade nos eua: ''se abortássemos todos os bebês negros antes do nascimento diminuiria muito o índice de criminalidade.'' isso logo após uma tragédia que matou, em sua grande maioria, negros e pobres de nova orleans. newton carlos escreveu na década de 70, no pasquim original, que os eua possuem tecnologia para desviar furacões e teriam, supostamente, já se utilizado deste know-how para jogar catástrofes sobre, por exemplo, cuba. não tenho o artigo em mãos, mas me lembro que newton carlos cita documentos do Centro Nacional de Furacões (NHC) que comprovam a existência de tal tecnologia. estranhamente, o furacão rita não causou estrago quase nenhum em houston, meca do petróleo nos eua. preciso dizer mais ou vocês já imaginaram onde eu quero chegar? extermínio pode ser a palavra de ordem.

enfim, como disse no início, pode-se detestar o jabor à vontade, eu o destesto por vezes, mas não se pode dizer que seus textos não façam nossos neurônios se exercitarem.
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