já disse aqui antes que não morro de amores pelo jabor, mas o texto dele sempre causa reflexão, nem que essa reflexão venha da raiva, como quando ele entra numas de falar que a era fhc foi o único momento de lucidez pós-ditadura. nessas horas dá vontade de mandá-lo se roçar nas ostras e não lê-lo nunca mais. mas então ele escreve uma crônica como a de hoje, "seremos mais felizes como coisas". nela, ele se debruça sobre o já velho de guerra conceito de reificação tão querido à escola de frankfurt e adjacências. ele inclusive fala sobre baudrillard no começo, já avisando que não vai falar nada de novo, quiçá parodiar pensamentos do próprio filósofo.
é aí que temos parágrafos como:
"um mundo opaco gerará uma fome pavorosa de transcendência. haverá um ressurgimento das religiões e da fé, provocando grandes woodstocks de absoluto, já visíveis hoje nos showmícios evangélicos e nos rituais fundamentalistas. o iluminismo será definitivamente enterrado. deus, que tinha morrido, já está renascendo, como um produto útil para o conforto e o bem-estar. as igrejas serão como supermercados de esperança."
os que conversam comigo sabem o quanto me incomoda essa coisa da religião como fuga, ópio. não se busca a espiritualidade para um maior entendimento do mundo e de si mesmo, mas para fugir da angústia de se saber mortal e efêmero ou das tristezas de uma vida vazia, inócua. deus vira uma droga poderosíssima que corrobora passividade, conformismo e gera alienação. sinceramente, ir num dos showmícios citados pelo jabor e ficar em transe enquanto um sujeito vestido de padre, pastor, o que seja, fala platitudes e não questionar nada nunca não me parece muito diferente de tomar um pico de heroína e adentrar os paraísos artificiais. os "supermercados de esperança" garantem a sua paz de espírito como um prozac santo que elimina seus temores e lhe conforta como uma grande e compreensiva mãe, mas também elimina sua indignação e livre-arbítrio, te dando verdades prontas que você jamais precisará ter o trabalho de questionar.
"a arte acabará, destruída pelos efeitos especiais. dela só ficarão as emoções, reproduzidas em computação: o belo, o sublime, o épico, o lírico, o trágico - bastará a programação de algum êxtase estético, até de um estilo literário, mas sem obra por trás. as massas só terão circo; pão, talvez."
não gosto deste fatalismo jaboriano, deste quase tesão em proclamar a derrota e o fim. a arte não acabará enquanto houver humanidade, não importando o quão vasto seja o processo de idiotização mundial e os avanços do pensamento único. proclamar o fim definitivo de algo é quase sempre uma furada, vide fukuyama, que fez a alegria de alguns idiotas ao proclamar o fim da história. queria ver o que ele tem a dizer do mundo pós 11 de setembro. é só dar uma olhada ao seu redor, em meio à mediocridade e ao deserto ainda é possível divisar oásis.
"haverá o fim da piedade, o fim da compaixão. as populações miseráveis ou desnecessárias ao mercado serão exterminadas, sob os protestos ridículos e inaudíveis de meia dúzia de humanistas fora de moda."
chegamos a um ponto importantíssimo: o genocídio dos pobres. sim,
genocídio é a palavra. fernando solanas, em seu fabuloso documentário "memória do saqueio", devassa os três governos traidores argentinos pós ditadura militar: alfonsín, menem e de la rua. nos três o compromisso era o mesmo: adoração ao capital especulativo e às multinacionais, transformação da dívida externa privada em pública, privatização inconseqüente. os resultados: a maior onda de desemprego já vista na américa latina, aumento da desnutrição infantil de 18% para 80%, vilipendiação irrestrita do estado em nome do interesse de uma elite de menos de 5% de felizardos. para se manter no poder, enriquecer e engordar como porcos, essa elite condena à morte milhares de pobres que vivem em lixões e em áreas que já foram parques industriais e se tornaram favelas sem esgoto, escolas e hospitais. esta elite odeia os pobres e quer vê-los mortos. fausto wolff reproduziu hoje no jornal do brasil a frase do republicano william bennett, a propóstito da criminalidade nos eua: ''se abortássemos todos os bebês negros antes do nascimento diminuiria muito o índice de criminalidade.'' isso logo após uma tragédia que matou, em sua grande maioria, negros e pobres de nova orleans. newton carlos escreveu na década de 70, no pasquim original, que os eua possuem tecnologia para desviar furacões e teriam, supostamente, já se utilizado deste
know-how para jogar catástrofes sobre, por exemplo, cuba. não tenho o artigo em mãos, mas me lembro que newton carlos cita documentos do Centro Nacional de Furacões (NHC) que comprovam a existência de tal tecnologia. estranhamente, o furacão rita não causou estrago quase nenhum em houston, meca do petróleo nos eua. preciso dizer mais ou vocês já imaginaram onde eu quero chegar? extermínio pode ser a palavra de ordem.
enfim, como disse no início, pode-se detestar o jabor à vontade, eu o destesto por vezes, mas não se pode dizer que seus textos não façam nossos neurônios se exercitarem.