Friday, July 29, 2005

os bons

a la rd vou fazer breves comentários sobre bons filmes que vi recentemente:

inconscientes

pequena jóia argentina. passado em 1913, início da era da psicanálise e da controvesa popularidade de freud, gira em torno do marido desaparecido de alma (leonor watling, belíssima) que sai em busca dele com a ajuda de salvador (luis tosar, ótimo), psiquiatra anti-freudiano e seu cunhado. este é o ponto de partida de uma trama rocambolesca com ares de sherlock holmes embebido em psicanálise. muito bacana o retrato de uma época em que ainda se tinha fé nas utopias (alma, em determinado momento, diz para salvador que logo não haverá ricos e pobres e serão todos iguais, segundo marx). diálogos e piadas inteligentes envolvendo tabus sexuais que - a despeito de nossa autoproclamada pós-modernidade e liberação sexual - perduram até hoje: homossexualismo, tamanho do pênis, frigidez, pornografia. brilhante.

sin city - cidade do pecado

sem sombra de dúvida melhor adaptação de quadrinhos para o cinema já feita. o multi-homem robert rodriguez (diretor, roterista, montador e compositor de trilha sonora) conseguiu passar para a tela o noir-pasteurizado de frank miller fazendo, inclusive, um filme que é melhor do que a obra original. a ultra-violência fetichizada por tarantino e companhia funciona bem e a inteligência do jogo de cores (preto e branco com tintas de amarelo e vermelho quando necessário) é indiscutível. tudo isso misturado com um elenco na ponta dos cascos que inclui clive owen no papel principal da história do meio, baseada na série "a grande matança", que é a melhor do filme; mickey rourke, perfeito e monstruoso como marv; benicio del toro; entre outros. desaconselhável para menores e pessoas com mau-gosto estético.

terra dos mortos

romero volta aos seus zumbis depois de um hiato de 20 anos. muita coisa aconteceu nesse tempo. remakes de a noite dos mortos-vivos e de zombie - o despertar dos mortos, paródias de filmes de zumbi, como a volta do mortos-vivos e, recentemente, o ótimo shaun of the dead e imitações ad-nauseum. romero é um cineasta à moda antiga, com todas as ingenuidades que isso pode acarretar. a platéia de hoje em dia é cínica demais para se assustar com zumbis que andam devagar (preferem os zumbis atléticos de madrugada dos mortos ou extermínio) ou simpatizar com alegorias políticas óbvias. como eu já disse anteriormente, vivemos uma época em que tudo já foi superexposto e satirizado e chegamos ao ponto de as pessoas gostarem da sátira sem gostar (ou conhecer) o original. algo como gostar do roman atkinson e achar o jerry lewis uma bosta. deparei-me com a situação de ouvir uma pessoa falar que o terra dos mortos parecia o madrugada dos mortos, só que pior. sinal dos tempos. o filme é bom, muito parecido com o antecessor dia dos mortos e me agradou assim como acredito que agradará a todos os fãs de longa data de romero, que continua, e continuará sempre, sendo um cineasta de nicho, visto e gostado por poucos. enquanto muitos se divertem com os imitadores do gênero que ele criou.

Thursday, July 28, 2005

a vida marinha com steve zissou



quantas vezes você pode dizer que viu um filme com uma trilha sonora que engloba músicas de compositores/bandas do naipe de david bowie, devo, the stooges e ennio morricone? ou com um elenco com astros da grandeza bill murray, angelica huston, willem dafoe e cate blanchett (linda, como sempre)totalmente à vontade em seus papéis? tudo isso dirigido por um sujeito como wes andreson, relativamente novo, com somente quatro longas na carreira, contando com esse, mas que já filma com propriedade e segurança?

anderson me parece fazer parte de uma nova e bem-vinda leva de cineastas americanos - na qual insiro o atualmente meio esquecido p. t. anderson - que consegue arregimentar atores consagrados para filmes autorais e, até certo ponto, despretensiosos.

este "a vida marinha com steve zissou" é uma delícia do ínico ao fim. bill murray interpreta zissou, um oceanógrafo explicitamente inspirado em jacques costeau, que sai em uma missão com ares melvillianos em busca do tal tubarão-jaguar que matou um dos seus tripulantes e melhor amigo. entre a tripulação estão willem dafoe, interpretando um hilário alemão sentimental; cate blanchett como a repórter grávida escalada para cobrir a viagem; angelica houston, esposa de steve zissou; e seu jorge, no papel de um especialista em segurança que passa o filme tocando várias músicas do bowie no violão em inusitadas versões em português.

divertido, permeado de excelentes referências musicais pop e encabeçado por um dos atores mais engraçados da atualidade.

momento sensacional: a seqüência "comando para matar" (como muito bem definiu meu irmão) na qual bill murray sai matando um bando de piratas que invadem o navio ao som de "search and destroy", dos stooges.

Wednesday, July 13, 2005

a noite dos mortos-vivos



muito bem: impulsionado pelo fato de que o "terra dos mortos" - quarta parte do que se achava ser uma trilogia dos mortos-vivos de george a. romero - está prestes a estrear em terras brasilis, e pelo fato igualmente interessante de "a noite dos mortos-vivos" estar disponível para download gratuito no archieve.org, revi este inigualável clássico do horror ontem.

filmado em 1968, com baixíssimo orçamento, durante fins de semana e madrugadas nos quais romero não estava trabalhando em agências de publicidade, "a noite dos mortos-vivos" é o filme arquetípico de zumbis e simplesmente criou todas as regras sobre mortos vivos que são usadas até hoje em milhares de imitações: eles só morrem com um tiro na cabeça, eles comem carne humana, vivos mordidos por zumbis são infectados e viram também zumbis, etc.

é claro que hoje em dia nós, pobres espectadores, vivemos numa era em que todas as idéias já foram superutilizadas, superexpostas e parodiadas ad nauseum, mas, em 1968, devia ser uma coisa particulamente horripilante ser graficamente exposto ao fato de os mortos estarem saindo de suas tumbas às centenas para praticar canibalismo. uma sequência é, até hoje, particularmente nauseante para os fracos de estômago: uma garotinha que havia sido mordida por um zumbi se banqueteia do cadáver do pai.

fala-se muito do subtexto político que romero gosta de colocar em seus filmes: na sequência "zombie: o despertar dos mortos" (1978), um grupo se refugia dentro de um shopping-center, fugindo dos mortos-vivos, e enxergaram nisso uma crítica ao consumismo desenfreado dos estadunidenses. na terceira parte, "dia dos mortos" (1985), os personagens estão encurralados em um abrigo militar subterrâneo controlado por um militar mão-de-ferro o que, supostamente, seria uma crítica ao militarismo desenfreado estadunidense. aqui, em 1968, fala-se que o personagem ben, interpretado por duane jones, negro, serviria para chamar atenção para questões raciais, teoria que ganhou impulso pelo fato de ben ser morto ao final por um bando de xerifes brancos e caipiras por ter sido confundido com um zumbi. curiosamente, o próprio romero diz que isso nem passou pela cabeça dele e que duane jones foi escolhido simplesmente por ser o melhor ator para o papel. porém, não há como negar que duane foi o primeiro ator a ter um papel principal em um filme de horror (e talvez em qualquer filme) no qual a importância do papel não era, a princípio, determinado pela sua cor. também não deixa de ser interessante ele salvar a pele da protagonista loira (judith o'dea) e se afirmar como líder dos sobreviventes sitiados na fazenda cercada por mortos-vivos.

também vale notar que romero decidiu rodar este filme em preto e branco numa época em que todos os filmes estavam sendo feitos em cores. de certa forma, a fotografia em p&b cai como uma luva, "escondendo" a precariedade dos efeitos por conta do orçamento curto e acrescentando uma atmosfera mais angustiante e crível.

que venha o "terra dos mortos".

Tuesday, July 12, 2005

frase da semana

não morro de amores pelo jabor, mas tenho que admitir que tem horas que ele acerta bonito, como hoje, no globo: "foi fácil culpar o collor: branco, rico e yuppie. se o lula for culpado, estamos ferrados."

Saturday, July 09, 2005

meu funeral ideal

atendendo a pedidos (na verdade foi um só), e como não vou ganhar um centavo de royalties pelo livro mesmo, publico aqui o conto "meu funeral ideal", presente na ficções 14. divirtam-se. porém, lembrem-se de que isso não os isenta da responsabilidade de comprar o livro, até mesmo porque não dá para dar autógrafo em blog.

Meu Funeral Ideal

Estou deitado em um caixão de carvalho preto. Duas bolas de algodão, ligeiramente incômodas, estão enfiadas no meu nariz. O caixão é compacto, sinto a sola dos meus sapatos encostando-se ao fundo, e, pelo jeito, me vestiram com um terno apertado demais. No meu caso, fora de brincadeira, o defunto era maior.

Tirando isso, tudo corre conforme o planejado. Já se ouvem os primeiros acordes de “My Death”, interpretada por David Bowie, ao fundo. FSX, que sempre achou que ia bater as botas antes de mim, dá uma risadinha que, tenho certeza, ninguém entende. Logo antes de morrer – vou poupar-lhes dos detalhes médicos –, confabulei com esse meu camarada e tracei o plano do meu funeral ideal. Vejo que FSX, como de costume, não me decepcionou.

Está tudo aqui. O cara todo de preto, com feições nórdicas, próximo ao meu caixão. Toda vez que alguém se aproxima para perguntar se ele conhecia o morto ele se limita a tirar uma torre de xadrez da boca e dar um sorrisinho. O DJ com sua série de músicas para colocar, começando com a acima citada e terminando com “Cemitério”, do Belchior. O sujeito vendendo cerveja em lata a R$1,00 e caipirinhas a R$3,00. O pessoal jogando porrinha e uma mesa de sinuca, para quem acha velório, com razão, uma coisa tediosa.

Para dizer a verdade, a primeira idéia era fazer um bacanal. Todo mundo trepando, bebendo e se divertindo enquanto eu observava do meu caixão que, naturalmente, seria de vidro e estaria na vertical (mal sabia eu que a perspectiva post-mortem fica muito mais – digamos assim – abrangente, possibilitando, inclusive, liberdades narrativas anteriormente impensáveis). Porém, a idéia de ver alguns dos meus parentes em conjunção carnal não me pareceu muito agradável. Chegou-se a cogitar um segundo enterro, só para os mais chegados, onde, aí sim, a putaria iria rolar solta.

Só que FSX não conseguiu encontrar cemitério que aceitasse tirar meu caixão da cova para um bis. As pessoas levam a morte tão a sério que não houve suborno que chegasse para convencer os coveiros de que tudo não passava de uma brincadeira, último desejo do morto, coisa e tal. Essa gente ainda não entendeu que a morte não é nada além da piada derradeira, e que se a gente mesmo não rir, quem vai rir no nosso lugar?

Mas, tudo bem. Do jeito que está, está bom. Já fecharam a tampa e começaram a movimentar-me para a cova. Pedi para o FSX conseguir uma cova decente, daquelas de filme, o caixão descendo com cordinha e tudo. Detesto aqueles gavetões. Desde criança que imagino meu caixão mergulhando nos célebres sete palmos. Não ia deixar que me enfiassem numa gaveta, feito presunto no IML. Além do mais, o grand finale só seria possível assim.

Pronto, começaram a descer o caixão. Súbito, soa um baque e ele pára no primeiro palmo. Perfeito. Antes de qualquer um se dar conta do que está acontecendo, ela já está abrindo caminho entre as pessoas, o vestido vermelho-vivo e a maquiagem toda borrada pelas lágrimas. Dá um salto para dentro da cova e aterrissa sobre o caixão, se contorcendo toda, berrando e se descabelando num pranto louco. Tem que ser retirada à força, por dois coveiros, para que a cerimônia termine. Na saída, se abraça a duas crianças e fala bem alto, para todo mundo ouvir: “Não importa o que essa gente diga, meus filhos, seu pai sempre amou vocês”.

Todos olham para a cova aberta e em seguida se entreolham assustados, tentando entender. Terminado o escândalo, o caixão começa a descer outra vez. Outro baque e ele pára de novo. Dessa vez a moçoila é ruiva e traja um vestido roxo, além de carregar consigo três crianças que ficam dependuradas na beirada da cova, choramingando. Descabela-se e esperneia com mais esmero ainda e a gargalhada característica de FSX ecoa no cemitério, se misturando à minha, inaudível para qualquer um além de mim mesmo, vingativa e perene.
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